16/07/2019

A Outra Companhia de Teatro anuncia FIM e último ato



“ (...) a quem fará falta o encerramento de nossas atividades? Ou melhor: quem lamentará o falecimento de um coletivo como o nosso?”. Esses dois questionamentos fazem parte da CARTA DO FIM lançada nesta segunda-feira, 15 de julho, nas páginas das redes sociais d'A Outra Companhia de Teatro para anunciar às últimas atividades deste grupo teatral que debutou em 2019. 

Está carta manifesto escrita a 12 mãos convoca a todos a refletirem e fazerem parte deste “ato derradeiro" que findará com a temporada do décimo sétimo espetáculo da Companhia: Pra você não esquecer de mim – com direção de Thiago Romero, dramaturgia de Luiz Antônio Sena Jr. e estreia prevista para o segundo semestre de 2019. 

“Este FIM coloca a nós d'A Outra em uma encruzilhada que nos faz questionar o conceito de grupo no Brasil contemporâneo, em que muitos iguais a nós estão desaparecendo em meio ao contexto político-cultural atual", pondera Luiz Antônio Sena Jr., integrante e diretor artístico d'A Outra.

Durante seus 15 anos de atuação, esta Companhia já montou 16 espetáculos entre solos e grandes encenações – Mar me quer; O Que de Você Ficou Em Mim, Ruína de Anjos, Sobejo, O Avô e o Rio, entre outros; a banda performática Música de Quinta; realizou intercâmbios e encontros com artistas de toda parte do Brasil e de alguns países do estrangeiro, e criou um programa de mediação e formação de plateia. 

Coincidentemente, o fim do grupo marca também o encerramento do projeto ENXERGUE! sonhos, memórias e declarações d’A Outra Companhia, selecionado pelo Edital de Apoio a Grupos e Coletivos Culturais do Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA) de 2016. Veja abaixo a CARTA DO FIM na íntegra:

“CARTA DO FIM

15 anos. Tempo de olhar para tudo que fora vivido, tomar pé de seu lugar e enxergar as possibilidades de futuro. Época do desabrochar para firmar-se entre os seus. Data a ser celebrada em grande estilo. Debutantes, perguntamos: COMO? Ao longo de todo esse tempo, estivemos sob o impulso da resistência e o exercício da criatividade para manter nossas atividades de modo contínuo. Fosse com patrocínio ou pequenos apoios para troca de serviços e materiais de subsistência, captando recursos através de editais, leis de incentivo ou diálogo direto com o empresariado, fazendo teatro escola, empresa ou animando eventos, tecendo parcerias e redes com outros artistas, coletivos, escolas, associações, teatros, fundações, ONGs… tudo para não parar! Nascemos lá no Teatro Vila Velha, nos formalizamos como pessoa jurídica, montamos uma sede própria, assumimos a batuta do teatro como profissão investindo tudo quanto fôssemos capazes de arregimentar em prol do coletivo, para manter os 06 integrantes juntos. Montamos 16 espetáculos entre solos e grandes encenações além de uma banda performática, realizamos intercâmbios e encontros com pessoas da Bahia, do Nordeste, de outras geografias do país e até de fora, criamos oficinas para iniciantes e profissionais das artes cênicas nas diversas áreas da cena, promovemos debates sobre urgências da cadeia criativa assim como além dela, desenvolvemos um programa de mediação cultural aproximando mais de 50 mil pessoas às nossas práticas, participamos de festivais, mostras e eventos cênicos de Salvador até a América Latina, circulamos pelas cinco regiões do Brasil sendo vistos por mais de 80 mil pessoas de crianças a idosos. São números que expõem a robustez de nosso tecido memorial, mas que não sustentam a fome do cotidiano que nos coloca em xeque. Aluguel, condomínio, luz elétrica, internet e telefonia, salários, material de limpeza, de produção e despesas de comunicação, contabilidade e tributação - parcelas de uma conta que não tem fechado há mais de um ano, sendo agravada diante do atual contexto onde arte e cultura encontram-se alvejados por agentes dotados de um conservadorismo e uma acumulada mágoa diante dos múltiplos lugares de fala e existência empoderados nas últimas frentes governamentais. Fato é que depois de arriscar-se em tantas atividades artísticas, firmar um espaço e contribuir com a cena baiana, nordestina e nacional, nos encontramos na encruzilhada do fim. Já não há mais como manter sede, empresa, grupo. E antes de uma falência agressiva, que endivide todos os engajados nesse caminhar, miramos que é chegado o tempo de parar, de mudar a rota, de fechar o ciclo. Estamos findando nosso último projeto que visava a manutenção do agrupamento, com recursos oriundos da última leva de editais estaduais (2016), e que tornou-se um embaraço corrosivo dada a falta de segurança no cumprimento de prazos que desembocaram numa regular descontinuidade dos pagamentos, comprometendo os créditos, as parcerias e os elos afetivos que poderiam ajudar a dar o salto para uma estabilidade ao longo de dois anos. O fato é que como muitos agrupamentos do país nos encontramos num labirinto que parece não ter saída a não ser o fim eminente. Ainda temos um último ato a cumprir, ainda neste segundo semestre estrearemos nosso décimo sétimo espetáculo intitulado Pra você não esquecer de mim. Título escolhido em 2016 quando da escritura do projeto que estamos findando é mais do que adequado para os dias de hoje. A pergunta que se coloca é: a quem fará falta o encerramento de nossas atividades? Ou melhor: quem lamentará o falecimento de um coletivo como o nosso? O silêncio é ensurdecedor. Entendemos que somos mais um grupo dos que não vêm suportando a pressão forjada a dogmas, ignorância e descaso com o objetivo claro de exterminar a nós, artistas, através da morte simbólica, aniquilando sonhos, inutilizando um trabalho árduo de transformar o mundo pela arte. Até aqui fomos felizes e que essa possa ser a memória da gente guardada entre aqueles que cruzaram conosco nesse caminhar de quase duas décadas. Na reta final, antes do ato derradeiro, convocamos todos a se fazerem presentes e pares nos eventos e apresentações que acontecerão levantando um capital para alívio das contas e celebrando essa que foi uma companhia e que daqui pra frente só se for um'A Outra Companhia de Teatro!”

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