02/03/2015

Exposição As Aventuras de Pierre Verger propõem a adultos e crianças uma viagem pela trajetória do etnólogo e um dos mais importantes fotógrafos do mundo


Com concepção sensorial e multilinguagem, a mostra ocupa o Museu de Arte Moderna da Bahia. A abertura acontece em 12 de março. A exposição, uma das mais completas já realizadas pela Fundação Pierre Verger, celebra a finalização do projeto de digitalização de sua obra.

Numa iniciativa inédita, a Fundação Pierre Verger realiza a exposição As Aventuras de Pierre Verger, elaborada para possibilitar principalmente ao público infantojuvenil a apreciação da obra do etnólogo e babalaô, reconhecido como um dos maiores nomes da história da fotografia no mundo. A mostra, que se distribui pelo casarão principal do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), tem abertura no dia 12 de março, às 19h, e visitação a partir do dia 13. Reúne cerca de 270 imagens registradas por Verger em diversas partes do mundo, e, numa concepção sensorial e multilinguagem, propõe explorar, além da visão, outros sentidos do público e destacar o cruzamento da fotografia com vídeos, tecidos artesanais de diferentes países e artes sequenciais (quadrinhos).


A exposição marca a finalização do projeto Memórias de Pierre Verger, patrocinado pela Petrobrás e pela Odebrecht e que, por quatro anos, encampou a tarefa de duplicar digitalmente o valoroso acervo fotográfico da Fundação e de concluir o seu acondicionamento em condições adequadas. A mostra, portanto, ganha o caráter de celebração: é uma das mais completas realizadas pela instituição criada pelo próprio fotógrafo francês na Bahia, local que escolheu para residir depois de viajar pelo mundo registrando as expressões culturais e o cotidiano de diversos povos.


Olhar humano

Durante três meses – a mostra permanece em cartaz até 31 de maio -, o público é convidado a “embarcar” numa instigante viagem que retrata as experiências vividas por Pierre Verger (Paris, 1902 — Salvador, 1996), em um século marcado pelo desbravamento de fronteiras e guerras mundiais. A exposição está dividida em nove módulos: Paris, Viagens, Polinésia, Saara, China, Peru, África, Projeto e Educativo (leia abaixo). Estes funcionam de maneira interdependente, como partes autônomas de uma cartografia geográfica e temporal, mas, que, graças sobretudo ao olhar humano do fotógrafo, torna-se atemporal e reflexiva do Eu e do Outro.


Segundo Alex Baradel, responsável pelo acervo da Fundação Pierre Verger e curador-organizador da mostra, um dos pontos interessantes da exposição são as diversas formas de abordar as imagens: “A apreciação pode se dar como elemento autobiográfico, como caderno de viagem, como obra de arte, como documento histórico e antropológico ou como poesia. Além disso, a exposição é uma forma de apresentar, ao mesmo tempo, parte do acervo que foi tratado durante o projeto e, ao final, no módulo Projeto, como se deu este tratamento”, destaca.

Personagens e viagens

São cerca de 220 imagens expostas ao longo do circuito e outras 50 que integram os vídeos que compõem a exposição. Onze ilustrações do artista visual baiano Bruno Marcello (Bua) também acompanham a mostra, retratando ou ficcionalizando o personagem Verger em diversos episódios e contextos vividos por ele. A ideia é enfatizar também o fotógrafo como o protagonista de uma narrativa construída a partir do momento em que ele decide deixar uma vida de conforto (financeiro) na França para se dedicar a desvendar, através do olhar, um mundo culturalmente múltiplo.

Bruno ressalta que algumas das situações ilustradas realmente aconteceram. Outras têm uma dose de fantasia. Já o personagem desenhado mistura um Verger adulto e criança, em sintonia com o público-alvo da exposição.

A exposição se destaca também pela tentativa de fazer um paralelo entre a obra de Verger e As Aventuras de Tintim, histórias em quadrinhos editadas entre 1929 e 1983, bastante populares e que se tornaram clássicas graças ao apuro estético dos traços e aos roteiros bem elaborados pelo autor belga Georges Prosper Reni, mais conhecido como Hergé.

As HQs narram as peripécias do repórter e viajante Tintim em várias partes do mundo. As Aventuras de Pierre Verger destaca o paralelo entre as imagens do fotógrafo e a representação realista da arte sequencial de Hergé, explorando a similaridade de ângulos, perspectivas, situações, cenários e personagens, numa aproximação estética e na construção do imaginário sobre culturas em terras longínquas ao continente europeu.

Diferenças e descobertas

O curador-organizador da mostra, porém, sublinha que, apesar do paralelo entre as obras, as aventuras de Pierre Verger eram menos espetaculares e o principal objetivo das suas viagens era encontrar o Outro.

“Para ele, viajar e fotografar eram verbos indissociáveis. Seu objetivo era descobrir outros países, pessoas, formas de viver, em resumo, outras culturas. Menos espetacular, mas mais humana e próxima de uma realidade que Hergé não tinha o objetivo de representar. E é esta carga de humanidade que percebemos em sua obra, seja isoladamente seja numa coleção abrangente como esta”, comenta Alex Baradel.

Essa diferença, destaca ele, é flagrante no tratamento dado pelos dois europeus à África negra da época, que em Tintim é representada de forma paternalista, colonialista e preconceituosa; e com muito respeito e dignidade na obra de Verger.

"Pierre Verger está diretamente ligado à construção da imagem e das imagens da Bahia na segunda metade do século 20. Mas essa posição terminou por aprisionar a produção de Verger em uma série de clichês, que parecem se repetir ao infinito. O que a Fundação Pierre Verger e o Museu de Arte Moderna da Bahia propõem agora é um saudável desvio: oferecer outra perspectiva sobre um artista e sua produção, criando uma nova relação com um jovem público", observa Marcelo Rezende, diretor do MAM-BA.

O projeto Memórias de Pierre Verger

Parte da exposição apresenta também o trabalho de revitalização que foi realizado no acervo da Fundação durante o projeto Memórias de Pierre Verger. Um vídeo mostra as diversas etapas de trabalho realizadas durante o projeto e peças originas são apresentadas (cópias antigas, revistas e jornais dos anos 30, negativos restaurados, armários utilizados por Verger para guardar seu material...).

No último módulo da mostra, também foi construído uma laboratório de revelações analógicas, a fim de mostrar como antigamente era complexo o processo de reprodução dos negativos. Por fim, durante a mostra, um funcionário da Fundação estará trabalhando diariamente no museu, de modo que o público poderá ver como é realizada a operação de digitalização profissional de ampliações fotográficas. Além da exposição, a Fundação Pierre Verger lançará um livro institucional para apresentar o seu acervo fotográfico, destacando o trabalho de higienização, digitalização, e acondicionamento realizado nesses últimos anos.


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Módulos da exposição As Aventuras de Pierre Verger

Paris – Infância Burguesa
Mostra a Paris dos anos de 1930, cosmopolita e grande potência colonialista, agitada, onde Verger cresceu em meio à alta sociedade e suas regras, por obediência aos ditames familiares.

Viagens – A Saída
Retrata as viagens de navio, principal meio de locomoção da época, onde Verger passa a conhecer pessoas de todos os lugares, principalmente membros da tripulação, mais simples, felizes e interessantes; em contraste com os passageiros, de classe alta, mas geralmente entediados.

Polinésia – A Vida na Natureza
Além de ser o extremo oposto à França no globo terrestre, a Polinésia, à época, era um destino quase selvagem, retratada pelo pintor Paul Gauguin como um paraíso natural e tribal.

A Travessia do Saara
Verger cruza duas vezes o deserto de caminhão, encontra-se com legionários, passeia de camelo e conhece a vida dos povos tuaregues no meio do deserto.

China - Conflito Sino-Japonês
Como correspondente de guerra, Verger vai às cidades de Shangai e Nankin na China durante o conflito sino-japonês. Numa zona neutra, separado apenas por uma cerca, ele presencia bombardeios e refugiados de ambas as partes.

Peru – Um Olhar Antropológico
Contratado pelo Museu Nacional do Peru para fotografar as festas populares e as culturas andinas, Verger viaja de trem e lhama até Cusco registrando com viés de pesquisa antropológica os povos nativos do império inca.

África Negra – Fugindo dos Preconceitos
Numa visão à frente de seu tempo, e diferente da visão paternalista e colonialista vigente à época, Verger fotografa os povos negros da África, destacando sobretudo sua dignidade, beleza e cultura.

O Projeto Memórias de Pierre Verger.
Sala dedicada a mostrar o trabalho de higienização, digitalização em alta resolução, criação do banco de dados digital, acondicionamento em envelopes de ph neutro e estufas com temperatura e umidade controladas.

Educativo – Brincando com Verger
Quebra-cabeças, sala de leitura, contação de histórias, oficinas (pinhole, edição de imagens digitais, produção de textos). Esta sala é dedicada a trazer para o universo infantil um pouco do universo de Verger.

Serviço
Exposição As Aventuras de Pierre Verger
Local: Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA)
Avenida Contorno, s/n.º, tel: (71) 3117-6139
Abertura: 12 de março de 2015, às 19h
Visitação: até 31 de maio de 2015 (terça a sexta, das 13h às 19h; sábados, domingos e feriados, das 14h às 19h)
Entrada franca

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