Foto: Gabriel Teixeira.
Com 76 minutos de duração, o documentário “A loucura entre nós” foi dirigido pela cineasta Fernanda Fontes Vareille e leva à reflexão sobre as fronteiras do que é considerado loucura.
Chaves, grades, olhares, preconceitos, tudo nos separa do que não consideramos “normal”. E numa época onde é cada vez mais difícil lidar com as diferenças, o documentário A loucura entre nós nos tira da zona de conforto ao quebrar o isolamento de pessoas que vivem nos limites de ruptura com a realidade, para fazer um sensível mergulho nos paradoxos da reinserção da loucura no mundo em geral. Ao mesmo tempo, revela personagens e histórias que exalam as contradições da razão, nos fazendo refletir sobre nossos próprios conflitos, desejos e erros.
O documentário A loucura entre nós, primeiro longa metragem da diretora brasileira Fernanda Fontes Vareille, tem patrocínio da Petrobahia e a Carbocloro, através do artigo 1° A da Lei 8685/93, Lei do Audiovisual. Produzido pela Águas de Março Filmes, ele foi livremente inspirado no livro homônimo do médico psiquiatra Marcelo Veras, sobre sua experiência com o Hospital Juliano Moreira, na Bahia, e a ONG Criamundo, de reinserção no mercado de trabalho do paciente psiquiátrico. Tanto o dia a dia da Criamundo quanto o do Hospital Juliano Moreira são o ponto de partida para o encontro com personagens singulares, cujos depoimentos, histórias e relações, retratados sem filtros ou julgamentos, nos leva a pensar nos caminhos, ganhos e perdas que cada um de nós vive na busca por uma possível “normalidade”.
“Ingenuamente eu associava a loucura com a liberdade, agora a vejo como uma prisão”– Fernanda Vareille.
Fernanda Vareille lembra que A loucura entre nós não é um filme sobre essas instituições, mas sobre sujeitos e suas histórias. Revela, principalmente, a subjetividade de duas personagens em especial, Leonor e Elisângela, duas mulheres de realidades sociais bem distintas, mas que se encontram em trajetórias e questionamentos comuns. Cabe, então, à humanidade retratada pela câmera da diretora subverter qualquer tentativa de reduzir as personagens a marionetes da Saúde Mental. O documentário, portanto, não se propõe a discutir questões envolvendo a possível validade dos dispositivos de atendimento e assistência do paciente psiquiátrico, mas prefere questionar: Quais os limites da nossa sanidade? O que nos define como normais?
O filme divide suas cenas entre as ruas da capital baiana e a realidade entre muros, salas e portões do Hospital Juliano Moreira. Principalmente neste último, onde uma equipe enxuta de quatro pessoas filmou durante muito tempo em clima de imersão.
Esse processo foi fundamental para o amadurecimento no olhar que é dividido ao longo do documentário. E se no início existia uma ideia romantizada sobre a loucura, a realidade se impõe na convivência com os momentos de surto, aparente normalidade e apatia por parte das duas personagens principais. Extremamente generosas com a câmera, elas têm muito a dizer e despem-se completamente para o próprio olhar do público, revelando muitas coisas que, ainda hoje, permanece como tabu quando se fala de questões envolvendo a sanidade mental.
“Presenciar o surto de Leonor, por exemplo, foi um momento revelador e, de certa forma, influenciou na direção do filme. A realidade passou a ser mais dura do que A equipe de A loucura entre nós chegava cedo ao Hospital e permanecia durante todo o dia convivendo com as personagens. Muitas vezes estavam presentes sem produzir nenhum material, apenas observando e convivendo para que todos, pacientes e funcionários, se acostumassem com a nova presença – e, principalmente, com a presença da câmera. Ao todo foram três anos de filmagem (iniciada em 2011, com finalização de produção em março de 2015), numa jornada onde houve uma tomada de nova consciência, capaz de ressignificar todo o processo. E se o mundo retratado no início atrai nossa atenção por ser distante e exótico, ele passa a revelar novas camadas de interesse à medida que vai se abrindo. A maior conquista desse amadurecimento, talvez, seja a produção de um material que nos leva à percepção de que “A” saúde mental talvez sequer exista; o que existem são histórias contadas, uma a uma.
FESTIVAIS E PRÊMIO – A estreia mundial de A loucura entre nós aconteceu no dia 16 de julho de 2015 na 4 ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Depois participou da primeira edição do Pirenópolis.Doc, que aconteceu no início de agosto de 2015 na cidade de Pirenópolis, em Goiás, de onde saiu com o prêmio de melhor longa-metragem da Mostra Competitiva Nacional (júri popular). Em 2015, o documentário foi exibido ainda no Ateliers Varan, prestigiada escola de cinema francesa em Paris (numa sessão especial para professores e estudantes de cinema), além de participar da 6ª edição do CachoeiraDoc – Festival de Documentários de Cachoeira, na Bahia, do Indie Festival, em Belo Horizonte, e da 13ª edição do VLAFF – Vancouver Latin American Film Festival, no Canadá.
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