Foto: Iosikazu Maeda
“Desacontecenças” é o nome do livro que
o escritor, jornalista e compositor baiano-brasiliense Aloísio Brandão lançará,
em Salvador, nesta sexta-feira (08.07.16), a partir das 20 horas, na Confraria
do França (Travessa Lydio de Mesquita, 43 – Rio Vermelho. Telefone nº
3019-6548). O livro é uma publiação da Editora Penalux, de São Paulo, e reúne
20 contos longos pertencentes ao gênero realismo fantástico. “Os textos falam
de coisas que só puderam ser vistas com olhos de dentro”, tenta resumir o
autor.
Aloísio Brandão, sempre, teve um olhar
atento às coisas miúdas, às pessoas que foram ficando encantadas, aos fatos que
não necessariamente ocorreram e que a quase totalidade da população não
conseguiu captar. Brandão deu a tudo isto uma dimensão humana e sobre-humana,
reconstruiu tramas e espacialidades e desconectou, muitas vezes, o tempo da
cronologia. Acabou trazendo um buquê de histórias fantásticas para dentro do
seu livro prenhe de literatura que acaba de sair. A prosa de Brandão é madura,
inventiva e tem o condão de surpreender, a cada parágrafo. E mais: incorpora,
com grande habilidade e delicadeza, elementos da poesia.
“Estes personagens e fatos nunca se
desgarraram de mim, e eu jamais deixei de mergulhar neles, por uma questão de
necessidade, pois é onde está o meu umbigo afetivo e cultural”, argumenta o
autor. Aloísio Brandão mantém vivos os vínculos com este universo surreal,
visitando, várias vezes ao ano, a sua Santana dos Brejos a que ele chama de
“estuário do surrealismo”. Diz que não seccionou o cordão umbilical amoroso com
a cidade, “que existe, mesmo que não existisse”, explica, como se buscasse dar
pistas sobre a concepção dos seus textos.
LABORATÓRIO DO FANTÁSTICO – O autor de
“Desacotecenças” lembra que a Santana dos Brejos de sua infância era uma cidade
de não mais que 7 mil habitantes completamente vazia de fatos. “O lugar era um
verdadeiro laboratório do fantástico e ajudou a fertilizar o meu texto e me pôs
na condição de parir personagens, como Álvaro, um rapaz da roça e de vida
normal que, certa noite, chega a cavalo à fazenda do padrinho, que estranha a
visita inesperada. É o pai do rapaz quem explica, com a maior naturalidade:
“Faz mais de um mês que o coração de Álvaro parou de bater, mas ele está bem”.
Álvaro, que ao nascer, voltou para o ventre da mãe, foi visto levitando e o seu
rosto deu para aparecer em quadros das casas da cidade. “O rosto de Álvaro” é
um dos contos que integram o livro.
“A loja de memórias” é outro texto
encantador e terno desta publicação de fôlego. O conto fala de Seu Vivaldo, que
herdou do pai uma próspera loja de tecido, dos anos 50 a 70, até que as roupas
prontas e baratas levaram o estabelecimento à falência e fecharam as alfaiatarias.
Hoje, a loja não passa de prateleiras completamente vazias. Mas Seu Vivaldo,
sempre, muito bem vestido, abre o estabelecimento, invariavelmente, às 8 horas,
e fecha, às 18 horas. “Ninguém mais entra mais, ali, para comprar nada, porque
nada há. Incansável, ele, agora, já não tem pressa de fazer girar o seu
capital, não tem medo de uma nova onda fabril soterrar as suas mercadorias, nem
de o tempo envelhecê-las, ou tirá-las da moda. As suas mercadorias ficaram
encantadas e já não gritam mais por tesouras, agulhas e dinheiro. Não são
tementes ao tempo, porque este já não existe mais, ali. Seu Vivaldo, agora,
vende memórias”, diz o conto.
Já em “O endireitador de sonhos”,
Brandão traz a instigante história do Velho Carmelo, um homem rude que se
especializou em enxergar os sonhos das pessoas. Quando eram ruins e
recorrentes, tipo pesadelos, o Velho Carmelo os endireitava e os devolvia como
sonhos bons e prontos para serem sonhados. O endireitador sabia, também,
arrancar de dentro dos sonhos coisas materiais que atormentavam os sonhadores,
e as consertava.
Triste e terno, “O circo que não
estreou” é um conto que aborda a chegada à cidade de um circo pobre, sem
cobertura e que jamais pode estrear, por causa de um longo período de chuvas
que se instalou, no Município, na noite de estreia. Um menino, personagem do
conto, passa a conviver e a falar às escondidas com Cassimiro Coco, um boneco
marionete do circo e tenta criá-lo. Outro conto, “O poeta e a cidade”, relata a
estadia de um poeta na cidade. O estranho homem, que tinha o dom de passar por
paredes como fosse uma visagem, uma livusia, saía, de casa em casa, de beco em
beco, prestando assistência poética às pessoas necessitadas de poesia.
ILHA CULTURAL – O livro
“Desacontecenças” faz crer que, há, ainda, ilhas culturais regidas por outra
noção de tempo, espaço e existência, a exemplo de Santana dos Brejos, que
continua alimentando a memória amorosa do autor. “Para textualizar a memória
amorosa, Aloísio Brandão mobiliza o seu amor estético, transmitido não apenas
com recordação, mas como realidade viva”, explica, no texto da orelha do livro, João Vianney
Cavalcanti Nuto, doutor em Letras pela USP (Universidade de São Paulo) e
professor de Teoria da Literatura da UnB (Universidade de Brasília).
O poeta e jornalista brasiliense
Vicente Sá, que assina a apresentação de “Desacontecenças”, observa que a
literatura sertaneja nordestina – tanto a oral, como a escrita e musical -,
sempre, foi puxada para o fantástico. “É, aí, em que Aloísio Brandão
apresenta-se como uma nova janela literária”, acrescenta o poeta. Ele destaca
que o que o diferencial dos contos de Brandão é o texto pleno de literatura que
dialoga com a poesia. E arremata: “Desacontecenças’ é de um fantástico lírico,
suave e sem horrores”.
Para a cantora e compositora Luli,
parceira de música de Aloísio Brandão e que formou com Lucina uma dupla
bem-sucedida, que assina pérolas da MPB, a exemplo de “Bandolero”, sucesso na
voz de Ney Matogrosso, o autor de “Desacontecenças” escreve e compõe “como quem
tece uma renda barroca”.
SOBRE O AUTOR – As lembranças
mais remotas que Aloísio Brandão tem de si são do seu envolvimento precoce com
o que ele denomina de pré-poesia e com a música. Arriscava versos, menino,
ainda. Passou a infância ouvindo histórias surreais dos mais velhos e, desde
então, intuía que a palavra seria definitiva em sua vida. Estudou Letras (curso
incompleto), é formado em Jornalismo e mora, há 36 anos, em Brasília, onde atua
como jornalista profissional. Este é o seu livro de estreia no conto.
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