30/04/2010

Arte por trás das Lentes



Valéria Simões graduou-se em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia, em 1994. Trabalha como fotógrafa desde o início dos anos 90. Já participou de diversas exposições individuais e coletivas em Salvador, Alagoas, Recife, Rio de Janeiro, Minas gerais, São Paulo, Brasília, Paris, Montreal, dentre outras.

Destacam-se entre os seus últimos trabalhos as exposições individuais Varre Estrada – Caixa Cultural Salvador, 2007; Lugar de Ausência – Museu de Arte Moderna da Bahia, 2009 e os Prêmios Aquisição na 9ª Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, 2008, e a seleção no Prêmio FCW de Arte, 2009, na categoria Ensaio Publicado.

Confira a entrevista exclusiva que ela deu para o blog Salvador Update:

1 – Como você começou a se interessar pela fotografia? Alguém te aconselhou que carreira seguir ou você já sabia o que gostaria de ser?

V: O meu interesse pela imagem vem desde o começo da adolescência, quando tive contato com a técnica da colagem. Foi pesquisando, selecionando e arrumando novamente fotografias de diversos autores impressas em revistas que comecei a aprender noções de composição, a harmonizar cores, brincar com os planos e até subverter a perspectiva. Mas esse aprendizado ficou latente, até que no 2º ano da faculdade de Artes Plásticas me veio o desejo de experimentar a fotografia como expressão artística – até esse momento nunca tinha tido nenhum tipo de máquina fotográfica e só tinha feito fotos com câmeras amadoras de parentes e amigos em situações de festas ou viagens.

Numa oportunidade, adquiri uma câmera Canon profissional com um jogo de lentes e, na urgência de desvendar aquele novo mundo, comprei 30 filmes em preto e branco, coloquei tudo numa bolsa e sai fotografando feito uma louca. O resultado foi um percentual enorme de fotos ruins. Havia problemas com o foco, erros de fotometria, enquadramentos mal feitos, mas também um ganho incomensurável: a descoberta de que era esse o universo que eu queria conquistar e a aprender a lidar com todos esses desafios. Seria essa então a maneira de me expressar como artista.

2- Quais seus projetos? Seus planos pro futuro? Existe perspectiva em fazer de sua arte um negócio?

V: Não consigo me imaginar sem a fotografia. À medida que a gente vai ganhando mais experiência, novas possibilidades de trabalho vão surgindo. Aulas, oficinas, palestras, curadorias, são muitas as formas de caminhar na fotografia. A mais importante de todas é continuar desenvolvendo os meus ensaios autorais e cada vez mais ir me firmando num mercado que está em formação e é muito competitivo. É sonho de qualquer artista viver da produção do seu trabalho e essa perspectiva para mim está mais perto do que longe.

3 – Pessoas, lugares, coisas, do que você prefere tirar fotos? Da onde vem sua inspiração?

V: Não tenho um alvo preferencial. Gosto sobretudo de me deixar envolver pela atmosfera da situação que se desvenda à minha frente. Boa parte das imagens que faço é colhida em saídas sem um roteiro pré-estabelecido. Gosto de caminhar pelas cidades
e lugares me permitindo o prazer da descoberta de personagens, cenas e poéticas. Em algumas dessas ocasiões nascem ensaios, exposições e outros tantos projetos que no decorrer do tempo vou aprofundado.

4- Você hoje se dedica mais à fotografia ou a ser professora?

V: Apesar de gostar muito, a atividade docente ainda é esporádica. Tenho me dedicado mais ao meu trabalho autoral. A vida de um trabalho não morre quando termina o período daquela exposição em determinado espaço. A minha última exposição “Lugar de Ausência”, no MAM em abril de 2009, por exemplo, continua dando frutos, e bons frutos, como a recente seleção no Prêmio de Fotografia Conrado Wessel.

5 – Quem são as pessoas que te influenciaram a ser o que você se tornou hoje? Você tem ídolos, se sim, quem?

V: Gosto muito de arte em geral. As influências vieram da própria fotografia (os clássicos, os fotojornalistas) e de muitas outras fontes: da arte moderna, do cinema, da literatura e ultimamente dos artistas contemporâneos. Eu citaria dois artistas de quem gosto muito, dentre tantos outros, que são Hirosuke Kitamura, fotógrafo japonês radicado na Bahia, e o mineiro João Castilho, vencedor do último Prêmio Conrado Wessel com o Ensaio Redemunho, na categoria Ensaio Publicado.

6- Existe alguém com quem você gostaria de trabalhar em conjunto? Ou prefere trabalhar sozinha? Existe um reconhecimento do seu trabalho por parte da população geral?

V: Para mim fotografar é um exercício muito particular. Gosto muito de fazê-lo sozinha. É quase um momento de meditação, de re-ligamento. Quanto ao reconhecimento do trabalho, a cada dia ele vem se ampliando e isso se traduz nos convites para expor, na conquista dos prêmios e em citações do meu nome entre os artistas contemporâneos de expressão na Bahia, por especialistas da área.

7- Para quem quer seguir essa carreira, qual dica você daria para o iniciante?

V: Que experimente todas as possibilidades possíveis: do analógico ao digital, do documental até a fotografia contemporânea, passando por tantas outras tendências. E que não se esqueça que todo trabalho pode trazer uma nova poética, mesmo com imagens que aparentemente já foram vistas ou nos parecem muito familiar. É preciso pensar no que se faz e tentar imprimir, na medida do possível, a sua marca, o seu olhar.


8- Salvador é considerada uma das capitais de cultura do Brasil, o que você acha disso? Tem espaço para todos ou na sua profissão é muito difícil de conseguir um destaque?

V: Há controvérsias... Temos um povo muito criativo sem dúvida, e de uma riqueza e diversidade ímpar, mas acho que falta muito para sermos uma capital reconhecida pela cultura verdadeiramente. Quando começarmos a valorizar os nossos artistas e dar a eles respeito, reconhecimento e dignidade, aí sim poderemos falar em capital da cultura. O que vejo muitas vezes é uma grande batalha inglória para se conservar acervos artísticos e patrimoniais dentre outras coisas.

9- Qual mensagem você deixaria para o leitor do SSA UP?

V: Ultimamente tenho acompanhado várias discussões a respeito das categorias que separam a fotografia em compartimentos isolados e muitas vezes incompatíveis: analógico x digital, documental x contemporâneo, dentre outros. Acho tudo isso muito reducionista. Vivemos um momento de muitas mudanças, provocadas pela super popularização da fotografia digital e a sua veloz difusão pela rede, associada ao cada vez maior avanço tecnológico onde um cem número de informações se misturam e fica muito difícil ter essas medidas classificatórias.

É plenamente possível a produção de um trabalho documental com uma estética contemporânea, assim como um trabalho conceitual com caráter de documento. Essas duas categorias não se aniquilam. Portanto é preciso tolerância com as diferenças, e capacidade para absorver o novo, porque ele sempre chega. Há espaço e público para todo mundo e todas as experimentações, ou mesmo para a fotografia clássica, desde que o trabalho tenha qualidade e poder de comunicação.



Estefano Diaz
estefanodiaz@salvadorupdate.com

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